Aguiarense Óscar Rodrigues eleva a arte com elementos locais
Óscar Rodrigues tem 43 anos, é natural de Soutelinho do Mezio, na freguesia de Telões, e é conhecido como o “escultor das motosserras”, mas nem só de esculturas se faz a sua arte. Mais do que um escultor, assume-se como um criativo.
A arte entrou na sua vida “desde
tenra infância, na escola primária”, conta Óscar Rodrigues. As típicas cópias
de textos, habituais nos primeiros anos de ensino, que “tivessem iluminuras a
acompanhar o texto do livro, eu também copiava o desenho”. Acredita ter sido
este o início do caminho que tem feito até hoje, uma vez que “foi o brilhozinho
para agora ser o sol da minha vida” e é com algum orgulho na voz que nos indica
que “felizmente tive o privilégio de, 19 anos depois de me formar em escultura,
em Belas Artes no Porto, [poder] viver só da arte como acontece hoje em dia”.
Quando questionado se teria
alguma influência na família, a resposta de Óscar Rodrigues é negativa. Fomos
mais além e perguntámos qual tinha sido a reação dos pais quanto ao percurso
artístico que queria seguir. O artista plástico começa por contextualizar que
“atendendo ao meio em que estamos, à educação que tivemos à época e que ainda
hoje é difícil para um pai, porque quer o melhor para o seu filho e aquilo que
dê saída”, ficou surpreendido pela positiva com a resposta da mãe. “Os meus
pais foram emigrantes e grande parte do tempo estiveram fora, mas quando eu
mencionei que seria a escultura, a resposta da minha mãe foi ‘escolhe o que
quiseres, tens de ser bom naquilo que fazes’ e surpreendeu-me muito
positivamente, foi o maior voto de confiança que podia ter tido”. É em 2004 que
conclui a licenciatura em Artes Plásticas – Escultura, pela Faculdade de Belas
Artes do Porto.
A passagem pelo ensino
Uma das áreas da sua vida, que
relata ao Notícias de Aguiar e na qual vemos um brilho nos olhos, é a via
docente, onde lecionou quatro anos as disciplinas de Educação Visual e Educação
Visual e Tecnológica. Sem estar à espera na altura, Óscar Rodrigues afirma com
segurança que “foi a experiência mais enriquecedora da minha vida e, se
pudesse, fazia-o toda a minha vida”. Iniciou o percurso de professor em Alijó
no ano letivo de 2008/2009 e terminou em Chaves em 2011/2012. Os dois anos
passados na Escola Básica Integrada de Pedras Salgadas, nos anos de 2009/2010 e
2010/2011, foram os mais marcantes, não só pela continuidade, mas por ser “o
meu meio”. Não obstante, e em modo de conclusão, acaba por salientar que,
independentemente da escola, guarda no coração todos os “meus alunos e colegas
e todos os auxiliares de educação”.
Com a saída do ensino, procurou
outros caminhos e, nunca largando a arte, apesar de ser uma atividade paralela,
acaba por emigrar para a Suíça em 2015, onde estavam os pais. Em 2019 regressa
a Portugal para abraçar um projeto como artista residente num ateliê.
Como artista plástico amante da
criação, neste momento podemos associar a Óscar Rodrigues a pintura, o desenho
e a escultura, em materiais tão diversos como o metal, o granito e a madeira e
até mesmo o vinho, a cerâmica e o azulejo.
A matéria prima das obras de arte
Quanto a materiais, afirma não
ter “um material de eleição para o ato criativo” onde acaba por utilizar o
metal, o granito e a madeira, todos com ligação às suas origens em terras
aguiarenses.
No entanto, diz-nos, “aquilo que
eu sou, de alma, é o metal, talvez pela metamorfose do metal, pela passagem de
sólido, líquido, sólido, (…) pela sua dinâmica de ser outra coisa, ou ser
mutável”, remetendo para o material com que mais teve contacto no início e que
mais utilizou no curso de Escultura, na faculdade. Já tinha consciência sobre a
autossustentabilidade e a reutilização de materiais, tema “ao qual fui sempre
sensível, não é de agora” uma vez que fazia um “reaproveitamento de peças de
sucata”. É um fator transversal à sua vida até então com a utilização de
materiais que acaba por “‘recontextualizar’, alguns até com uma função bem
diferente daquela que lhe confere”.
O criativo explica-nos que o que
para uns não serve, como “sucata, um prego, uma peça sobrante, quebrada,
deficiente, ou uma alfaia agrícola, para mim, pode ser parte de uma costela, de
um abdómen, de um peitoral, de uns bíceps ou tríceps, quando estou a trabalhar
com a figura humana”.
Segundo Óscar Rodrigues, o
contacto com a madeira surge de uma necessidade de ter um sustento fixo no
final do mês. “Em todo e qualquer sítio no mundo, é difícil subsistir enquanto
artista plástico pela irregularidade de um salário”. Estamos situados no ano de
2008 e foi essa necessidade que o “levou a experimentar tudo o que eu tivesse
ao meu alcance, e as motosserras foi um desses caminhos, para trabalhar uma
coisa que nunca tinha trabalhado até então”. Explica ao Notícias de Aguiar que
ainda não havia trabalhado em madeira e poucos conhecimentos tinha sobre o
funcionamento de uma motosserra pelo que teve de se reinventar nesta vertente.
É entre 2008 e 2009 que começa a esculpir em madeira utilizando a motosserra,
no que hoje se chama a técnica de “Wood Carving”.
Comparando o processo criativo do
metal, com “forja, modelação e fundição”, com o da madeira, o aguiarense
salienta-nos uma grande diferença, uma vez que no caso da madeira “o processo é
o oposto, em vez de ser aditivo, é subtrativo, porque vamos tirando até
encontrarmos a forma que queremos para cumprir um determinado propósito”.
Admite que se foi apaixonando
pelo processo criativo e fazendo com que as pessoas se apaixonassem,
igualmente, pelo seu trabalho. Acredita que ficou mais conhecido com esta
diferenciação porque “para o observador é impressionante, até mais pelo
processo criativo ser com uma motosserra. As pessoas gostam de ver a acontecer
no momento e é o que acontece quando vou a demonstrações públicas”.
“Nunca dar a ideia errada que
abatemos árvores para fazer escultura ou arte”
Nesta vertente da sua arte, a
requalificação ambiental é também tida em conta, uma vez que utiliza apenas
sobrantes, árvores derrubadas em intempéries ou até madeira ardida. Na altura
da sua parceria com a fabricante de motosserras, em 2011, estavam alinhados
quanto à sustentabilidade. Para Óscar Rodrigues, a “beleza plena está na
natureza, é aí que está a perfeição porque nós, quando muito, fazemos cópias,
que não deixam de ser cópias da perfeição que reside na natureza”. Ressalva, no
entanto, que “se pudermos, porque é o objetivo máximo, prolongar uma árvore
morta com uma segunda vida ou outro propósito, por mais um ano ou 10, é sempre
mais valoroso do que abatê-la por baixo e desaparecerem completamente”.
Winerella, a arte de pintar
com vinho
Prestes a completar seis anos no
Ateliê d’OR, na Quinta da Pacheca, como artista residente a convite da própria,
onde todos os dias cria arte, é neste contexto que Óscar Rodrigues volta a
reinventar-se e, desta vez, com o vinho como base. Esta relação iniciou devido
a uma peça criada para a quinta que “ainda hoje lá está, que foi dar vida a uma
árvore que já estava morta (…) das primeiras que lá foram plantadas” e, após
este trabalho, surgiram outras encomendas como freelancer. Emigrado na Suíça,
em 2019 retorna a Portugal para abraçar o Ateliê D’OR onde refere que há uma
“relação ambivalente e sintonizada”.
Em setembro do mesmo ano, devido
ao primeiro festival Wine And Music Valley, no Douro, e sendo artista residente
nesta quinta, Óscar Rodrigues sentiu a “necessidade de um distanciamento em
relação ao que havia disponível” e apresentar algo diferenciado. Curiosamente,
acaba por ser em casa, em contexto familiar junto da esposa, que surge a ideia
da Winerella. Recordando os tempos de faculdade em que utilizava as aguadas de
café que “com uma caneta criava os traços principais e depois, com a colher,
molhava no ‘restinho’ do café e coloria, sempre dentro daqueles tons associados
ao café”, a companheira deu o estímulo de que precisava para um novo processo
criativo.
Agora, o desafio era fazê-lo
utilizando água e vinho, ao estilo da aguarela, com o qual teve de testar e
perceber as particularidades desta nova utilização em pintura. Criou um
conceito ao redor da Winerella que, no festival, não estando completamente explícito,
acabava por chamar os visitantes que “se sentiam tão curiosos ao ponto de serem
eles a dar o primeiro passo a perguntar o que estava a fazer e se eram mesmo só
com vinho”. O facto de uma cadeia televisiva também ter ficado curiosa e,
apesar de não estar no alinhamento inicial previsto, acabou por incluir a
Winerella na reportagem, dando ainda mais impulso a este conceito do artista
plástico.
Passados estes anos, Óscar
Rodrigues indica ao Notícias de Aguiar que “é dos workshops mais solicitados do
ateliê que ainda hoje mais impressiona (…) e que provou ser uma ideia
vencedora”.
Segundo o aguiarense, o Ateliê
d’OR possibilitou-lhe ter alguma paz de espírito, por ter um projeto fixo, o
que lhe dá mais liberdade para poder criar. “Sempre fiz o que sou, mas não fiz
só isso, hoje em dia é que faço só isso”, referindo-se à possibilidade de poder
criar sem ter uma necessidade. Assim, após uma “maturação em todo o processo” e
o alcance de uma “autossuficiência financeira” através da regularidade nos
trabalhos, é possível “apresentar soluções que já havia apresentado,
teoricamente, fora de tempo, onde a perseverança não era a mesma porque tinha a
necessidade do incoming [ordenado]”.
Não quebra as raízes com a sua
terra uma vez que “todos os dias continuo a sair do Douro para Soutelinho do
Mezio” onde, afirma, “prezo muito e é onde me sinto bem, onde me ‘reenergizo’”
junto da família e no seu ateliê pessoal.
“Eu quero é criar”
“É uma obrigação minha, enquanto
artista plástico, ajudar a que o outro se sinta melhor, seja por estupefação,
seja por emoção, seja por melhorar um dia com um sorriso”. Acrescenta ainda que
não considera ser necessário ser um artista plástico para o fazer já que “acho
que também o sou por natureza própria (…) e a arte é só mais uma ferramenta que
eu tenho para pôr isso em prática, de uma forma que não é alcançável por
todos”.
Refere-nos também uma frase que
costuma dizer várias vezes, “para mim, uma obra de arte sê-lo-á mais, quanto
mais pessoas conseguir tocar, quanto mais pessoas conseguir influenciar”. Nesta
linha, Óscar Rodrigues tem ainda ou visão, “se nós [artistas plásticos] temos
ao nosso dispor uma maneira de pôr em prática, através do processo criativo, da
sensibilidade de que dispomos, da nossa capacidade interpretativa neste campo
da emoção, da sensação e, no fundo, da arte, temos a obrigação de a partilhar
com os outros”.
“Se tivesse de dar um conselho a
alguém da nossa terra, de qualquer área, era ‘sejam resilientes’. Se não
puderem correr, caminhem, se não puderem caminhar, gatinhem, se não puderem
gatinhar, arrastem-se.” Para o artista plástico, resume-se a “mexam-se, façam,
não parem, o segredo é não parar”. Referindo várias vezes ao longo da
entrevista com o Notícias de Aguiar que “o sucesso dá muito trabalho”, relembra
que o resultado do seu percurso se deve ao facto de não ter parado, já que
quando trabalhava na Suíça e vinha a Portugal passar férias, “80% das vezes que
vim, as férias foram a criar”.
Quando perguntámos se um dos seus
objetivos é inspirar, a resposta veio desta forma: “se conseguirmos influenciar
pela admiração, sem que isso seja de todo uma premissa das minhas intenções
enquanto artista ou pessoa, mas, se acontecer, eu ia ficar feliz comigo mesmo
porque significava que estava a desempenhar o meu trabalho ou um bom papel
enquanto ser ativo e participante na sociedade, até enquanto pai.” Por fim,
deixa-nos com o seguinte desejo “gostava que a minha filha se lembrasse de mim
orgulhosamente por algumas coisas que vou deixando por aí, mas que sobretudo se
lembrasse de mim como algo positivo”.
A sua arte em Vila Pouca de
Aguiar
Em Vila Pouca de Aguiar tem
vários trabalhos expostos, como a escultura “Homenagem ao Mineiro” (2005), uma
das suas primeiras em metal e produzida com sucata, que está na rotunda
precisamente com o mesmo nome, em direção a Tresminas. Já a obra “Apologia ao
Desenvolvimento” (2005) está situada no Jardim da Estação. No quartel dos
Bombeiros Voluntários de Vila Pouca de Aguiar está a escultura em madeira
“Anjos sem Asas”, numa iniciativa solidária pelas vítimas dos incêndios de
Pedrógão Grande.
Ângela Vermelho
07/05/2025
Sociedade
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